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segunda-feira, 20 de abril de 2015

PESSOAS DIFERENTES




As Pessoas de Bem vs as Pessoas do Bem

 
 
Por | Guy Franco – sex, 17 de abr de 2015


 
 
 
O caminho do inferno está pavimentado de boas intenções, disse certa vez um velho sábio maligno.
 
Existem basicamente duas vertentes de movimentos cheios de boas intenções:
 
- as Pessoas de Bem e
 
- as Pessoas do Bem.
 
 
São como Testemunhas de Jeová que te abordam no portão de casa: “O senhor tem um minuto para ouvir as palavras de Caetano?”
 
As Pessoas de Bem, um pouco menos, talvez.
 
Elas não sentem a necessidade de mostrar que são boas o tempo todo porque isso deveria ser óbvio para todo mundo.
 
São pessoas que usam calça e que de fim de semana lavam o carro com uma bermuda branca.
 
São as senhorinhas que franzem o cenho nas cenas de sexo da novela, que olham para o cabelo do sobrinho e dizem “Isso não está certo”.
 
 
O sedentarismo, a flacidez e as manchas de idade na pele são elementos que costumam ressaltar a imagem das Pessoas de Bem.
 
Elas vivem suas indignações de dentro de casa, com uma coberta xadrez sobre o colo, tomando sopa de ervilha.
 
 
As Pessoas de Bem não se esforçam para serem boas, pois acreditam que basta pagar as contas em dia para atingir um estágio moral superior.
 
 
Usam termos-escudos como “eu pago as minhas contas” e “o cidadão de bem, trabalhador e honesto”.
 
São pouco ousadas e suas indignações ficam confinadas em seus apartamentos.
 
 
Já as Pessoas do Bem são aquelas que no fundo são pessoas boas, mas se elas mesmas não falarem isso você nem repara.
 
Precisam mostrar o tempo todo o quão boas são, soltando perdigotos no seu rosto enquanto discutem questões de gênero.
 
 
Costumam ser os hipters das boas intenções – Ih, vocês ainda estão falando de homofobia?
 
Eu já estou na luta contra a lesbotetransfobia.
 
São engajadas, folheiam revistas na busca de propagandas com alguma discriminação que ela e mais ninguém notou.
 
Gente que vai gritar contra as mais inimagináveis injustiças, mas nunca contra as violências mais óbvias.
 
São capazes de ficar indignadas com uma embalagem de sucrilhos feita para meninas mas não com um assalto à mão armada na rua de casa.
 
Usam termos como “falsa simetria” e “você acha que a sua aula é mais importante do que a questão racial?”
 
E têm horror às Pessoas de Bem.
 
Escrevem teses cujos títulos são algo como “Tattoos como ícones de construção da identidade heteronormativa nos estúdios de tatuagem de Guarulhos”.
 
Como as Pessoas de Bem, também acreditam ter atingido um estágio moral superior.
 
 
Em todo grupo, pode reparar, há alguém cheio de boas intenções, que implica com todos os outros porque ninguém é tão bom, tão iluminado quanto ele.
 
Pessoas de Bem e Pessoas do Bem que acreditam em sua bondade inatacável, em sua índole quase sacrossanta.
 
 


FONTE: BLOG DO GUY FRANCO

Guy Franco


Nasceu em 1984, mora em São Paulo, de onde sai só para comer. Em 1999, pegou homossexualidade no metrô – aquele monte de gente junta, as janelas fechadas. Já foi bancário, designer e videoartista. Em 2008 criou o blog coletivo Canudos Coloridos. Foi colunista da revista 'Alfa' em 2012.

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