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segunda-feira, 10 de novembro de 2014

ÁGUA DE REUSO & MALES A SAUDE




Água de reúso que SP irá adotar pode trazer riscos à saúde, dizem especialistas


Por Maria Fernanda Ziegler - iG São Paulo | - Atualizada às
 
 

Especialistas pedem monitoramento de químicos que podem permanecer na água e afetar sistema endócrino de humanos; até agora só há comprovação de malefício em animais


O anúncio da construção de estação de tratamento para que o esgoto seja transformado em água potável foi mais um capítulo da crise hídrica em São Paulo. De acordo com o governador Geraldo Alckmin, a água de reúso será matéria-prima para o fornecimento de água tratada para a Região Metropolitana de São Paulo. A decisão é apontada como solução para a escassez da água preocupa especialistas na área.


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“Tem como filtrar, mas é bastante caro e é praticamente impossível tirar tudo", afirma a professora do Instituto de Química da Unicamp, Gisela Umbuzeiro. A preocupação não está na concentração de coliformes fecais, que seriam retirados facilmente, o perigo está na retirada de químicos, como o hormônio presente em pílulas anticoncepcionais, além de componentes de medicamentos e antibióticos cujo processo de filtragem não seria capaz de eliminar.
BBC
Idosos, adultos e crianças: moradores de todas as idades buscam água para suprir a seca em Itu
O químico Wilson Jardim, também da Unicamp, afirma que é considerado relativamente fácil fazer a remoção de microorganismos se comparado ao trabalho de retirar outros contaminantes, como os hormônios. “Como a exposição a estes compostos é crônica, possíveis males se manifestam décadas depois, ao contrário da exposição por patógenos, que tem resultados imediatos”, afirma.
 
José Carlos Mierzwa, engenheiro e diretor técnico do Centro Internacional de Referência em Reúso de Água da USP, é mais otimista sobre a segurança. “O reúso da água é seguro quando planejado e quando coloca o tratamento adequado para assegurar a qualidade da água”, assegura. O engenheiro ressalta que o País precisa ainda fazer uma legislação sobre o tema. “Ainda não temos uma legislação de água de reuso no País”, diz.


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O que restou da pílula

Há o risco de que estrógeno natural ou sintético não filtrado na água possa provocar reações a homens e mulheres, pois estes componentes químicos atuariam no sistema endócrino das pessoas. Uma hipótese é que meninas teriam a menarca mais cedo. Há também a possibilidade de infertilidade.

“Se sabe já que isto acontece com animais, já está comprovado. Agora, se isso vai acontecer com humanos, pode ser que sim, pode ser que não”, afirma a endocrinologista Elaine Maria Frade Costa, supervisora do Serviço de endocrinologia do Hospital das Clínicas de São Paulo. Entre as consequências observadas em animais está a ocorrência de feminização em peixes em um lago no Canadá. Em uma experiência, um lago recebeu estrógeno (etinil estradiol) e os resultados foram monitorados. 
 
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Represa do Jaguari, na cidade de Vargem, em setembro; veja mais imagens da situação dos reservatórios do Sistema Cantareira. Foto: Luiz Augusto Daidone/Prefeitura de Vargem
Em 2012, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) publicaram um relatório conjunto - O Estado da Ciência dos Produtos Químicos Interferentes Endócrinos -, alertando para os possíveis riscos dessas substâncias. “Isto fez com que a União Europeia esteja discutindo outros métodos de contracepção por conta do elevado uso de anticoncepcionais e o risco de contaminação das águas”, diz Gisela.
 
Elaine afirma que há uma preocupação com o aumento de nódulos na tireoide, benignos ou malignos, na população de São Paulo. Mas que ainda não é possível provar uma relação de causa e efeito entre o aumento de casos e a contaminação da água. “A gente já tem evidências bem fortes em animais, mas não existem estudos em humanos. A gente está exposto por todos os lados e a água seria só um dos fatores. É difícil provar uma relação de causa e efeito” afirma.





Que vá para a indústria

De qualquer forma, Elaine afirma que a Sociedade Brasileira de Metabologia e Endocrinologia defende que não se pode usar a água de reúso para o consumo humano. O ideal seria que fosse destinado para a indústria, como acontece com o projeto Aquapolo, que trata água de reúso em Santo André (SP) e bombeia mil litros de água por segundo para o pólo petroquímico.




Conheça soluções para a crise da água em seis cidades do mundo


“Não é para se desesperar, apenas é preciso ter cautela. Tem uma frase que gosto muito que diz que a ausência de evidências não é evidência de ausência. É preciso que mais estudos sejam feitos”, afirma.
De acordo com o projeto anunciado pelo governo estadual na semana passada, estão sendo construídas duas estações de produção de água de reuso, com capacidade para gerar três mil litros de água por segundo. Depois de tratada, a água de reúso será lançada na represa Guarapiranga e ao rio Cotia.

Em Campinas, a prefeitura também anunciou um projeto semelhante, que vai utilizar esgoto tratado para o abastecimento de água para 1,1 milhão de moradores. Lá, a água de reúso será lançada no rio Capivari, um dos sois rios que abastecem a cidade.

A água que antes era esgoto será tratada e devolvida para a represa para então passar por filtragens, cloro e ser liberada para o consumo humano. A água deixa de ser esgoto.




Problema solucionado, mas cheio de polêmica

Dois exemplos no mundo de plantas de água de reuso se sobressaem: Austrália e Estados Unidos. Por conta da seca que assola regiões dos dois países optaram pelo reuso. Perth na Austrália faz a desanilização e reuso da água do mar. Na Califórnia, a água de reuso é recarregada no aquífero, além do tratamento, o solo se encarrega de filtrar a água também. Os dois projetos são apontados com soluções para a escassez da água, mas também não estão isentos de polêmicas quanto ao impacto ambiental e aumento de custos.

O modelo mais próximo ao que será implantado em São Paulo é um aplicado na África há 20 anos. A água de reuso é tratada e lançada na estação de tratamento. “É o modelo mais parecido com o daqui e não é apontado nenhum problema”, afirma Mierzwa.

“Eu quero saber onde vai parar esta decisão em São Paulo. Pegar água de reuso, jogar no manancial e depois na estação para um tratamento que não temos ainda?” afirma Lemilson Almeida, pesquisador de infraestrutura em Oxford, no Reino Unido. Sua tese de doutorado é justamente sobre modelos computacionais que simulam os efeitos no longo prazo de novas estruturas hídricas.

Almeida acredita que há pouco planejamento e estudo na solução anunciada esta semana. “Não dá para uma decisão irreversível e de longo prazo ser tomada por um político só”, afirma. Para ele o ideal seria que fossem realizados canais paralelos com água de reuso (também chamada de água cinza) e o produto tratado a partir dos mananciais. “Assim, cada água seria destinada para um uso diferente, mas isto seria caríssimo”, diz.



Água de reuso há anos

Mas nem tudo é crítica, especialistas vem no projeto a possibilidade de sanar um problema antigo: a falta de controle efetivo sobre o esgoto que é lançado nos rios.

“Há gente já vem fazendo reúso não declarado há muito tempo, pois os mananciais são contaminados por esgoto e não se faz tratamento para isto. No fim a gente bebe uma mistura de várias coisas”, afirma Gisela reconhecendo o sentimento duplo de preocupação pelo químicos na água e alívio pelo tratamento da água que hoje já é contaminada.

Mierzwa concorda com Gisela e dá como exemplo as várias cidades ao longo do rio Tietê abastecidas pelo famoso caudal paulista. “Nós temos conhecimento de alguns compostos. Tem como fazer ensaios biológicos de toxidade destas águas em microcrustáceos, uma avaliação para verificar os efeitos de possíveis químicos ”, diz.

Um amplo estudo coordenado por Wilson Jardim no ano passado identificou que a presença de contaminantes na água fornecida em 16 capitais brasileiras. Os pesquisadores da Unicamp encontraram cafeína em todas as 49 amostras analisadas. Também estavam presentes em amostras atrazina (herbicida), fenolftaleína (laxante) e triclosan (substância presente em produtos de higiene pessoal). Os dados comprovam que embora as águas das capitais brasileiras sejam tratadas, há contaminação por esgoto.

De acordo com Elaine, é na mistura destes compostos que mora o perigo, pois as diferentes combinações tem efeito diverso. “Estudos sobre o efeito de pesticidas em animais provam que um contaminante pode não atuar sozinho, mas em combinação com outros teria um efeito diferente. É complexo estudar os efeitos de todas as combinações ”, diz. Jardim concorda com Elaine: “Sabemos pouquíssimo sobre estas misturas e o mundo real é o mundo de mistura”, disse.

Jardim afirma que pelo desconhecimento sobre as consequências e a necessidade urgente de água é preciso que as decisões sejam mais transparentes e apresentadas para a população. “Essas decisões tomadas no calor dos conflitos devem ser melhor analisadas. É uma situação que requer um estudo mais cuidadoso”, disse.
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