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terça-feira, 23 de agosto de 2011

Conversão religiosa: a escolha de uma nova crença

O processo pode durar anos. Quem muda de religião admite que convicção é fundamental para enfrentar os obstáculos

Tatiana Gerasimenko, especial para o iG São Paulo | 25/04/2011 08:19

Foto: Arquivo Pessoal Ampliar
Maryanna Fahmy mudou de religião há sete meses, após cinco anos casada com o marido que já era muçulmano. Antes da conversão, seguia preceitos católicos

Maryanna, Tatiana e Rosana são mulheres que passaram por uma transformação significativa: sempre tiveram fé, mas, para chegar a Deus, procuravam respostas mais coerentes. As três cresceram em famílias católicas, foram batizadas como manda a tradição e participaram ativamente da comunidade em que foram inseridas desde crianças. Mais tarde, porém, sentiram-se envoltas em uma nebulosa fase de questionamentos que colocariam em xeque antigos valores: Deus pode ser único, mas as interpretações acerca da criação e da vida são variadas. E se o terno de antes não cabia mais, optaram por uma nova vestimenta. Foi assim que depois de muito estudo optaram pela conversão.

O assunto não é novidade: muito já se discorreu sobre personagens da história que em momentos significativos da vida optaram por uma nova crença. A Conversão de São Paulo, obra mais conhecida do pintor italiano Caravaggio, retrata a cena narrada no Novo Testamento em que Saulo literalmente cai do cavalo e se volta incondicionalmente ao céus, suplicante por resgate: recebe a visita de Jesus e se converte ao Cristianismo, mudando de nome. Em Confissões, Agostinho de Hipona – tido como santo pela Igreja Católica – detalha a jornada espiritual que o faria se distanciar finalmente do ceticismo para abraçar Deus. O Alcorão, livro sagrado do Islã, descreve o momento em que o mercador Muhammad ibn Abdallah (Maomé) sente uma presença divina e passa a recitar palavras divinas. Jacó torna-se Israel no Antigo Testamento após “lutar” com um anjo e ser transformado por uma intervenção direta de Deus.




Processo lento e doloroso
Como nos livros sagrados de diferentes religiões, uma revelação transforma. Contudo, em alguns casos o processo pode ser lento e doloroso, afinal de contas, a mudança requer novos hábitos. “A minha conversão foi um processo bem demorado, há mais de cinco anos vinha lendo pouco a pouco sobre o Islã, mas não com a intenção de me converter e, sim, para conhecimento pessoal”, explica Maryanna Fahmy, que se tornou muçulmana há sete meses.

“A conversão se deu principalmente pela lógica apresentada pelo Islã e a questão da divindade de Jesus foi o ponto principal desta mudança: no catolicismo, por exemplo, Deus e Jesus têm praticamente a mesma importância e ambos recebem adoração, assim como a Virgem Maria e os demais santos”, afirma Maryanna. Depois de muita pesquisa, ela chegou à conclusão de que Cristo jamais teria reivindicado adoração para si, mas para Deus. “Para nós (muçulmanos), Jesus é um profeta, assim como Abraão, Moisés, Mohamed e outros que vieram trazer a mensagem de unicidade de Deus. É justamente isto que o Islã prega: Deus não tem parceiros, não cremos na trindade, e é o único que deve ser adorado”.

Tatiana Corovtchenco, convertida ao judaísmo, passou por um processo semelhante na medida em que buscou a religião não pelo lado meramente emocional. “Comecei a ver que as coisas não batiam”, conta ela, que foi batizada aos sete, fez primeira comunhão aos 12 e, a partir dos 18 anos, lançou-se ao estudo de diferentes religiões depois de ser convidada pelo padre a dar aulas de catequese. “Não encontrava respostas dentro do catolicismo para as perguntas que eu tinha, então comecei a estudar o Antigo Testamento, outras linhas do Cristianismo, e a parte judaica foi a que mais me interessou”. Para ela, o fato de Jesus ser tido como um Deus está totalmente fora dos mandamentos porque se louva um intermediário. Além disso, diz ela, o judaísmo tem respostas para tudo, os profetas são seres humanos, com virtudes e defeitos.

Na contramão, Rosana Vaughan resolveu se converter justamente para seguir à risca a palavra de Jesus, a testemunha de Jeová (Deus). “Eu era muito atuante na comunidade católica, participava do grupo de jovens, meus pais participavam dos encontros de casais, mas quando tinha 14 anos ganhei o Novo Testamento e comecei a ler sozinha, achei muito interessante”, conta ela, que hoje é casada com Mike, considerado um dos anciãos da comunidade dos Testemunhas de Jeová. “Surgiam questionamentos, eu me interessava pela questão da vida eterna, mas a Igreja Católica não incentivava, na época, o estudo da Bíblia”. Entretanto, sua vida social e todos os seus amigos ainda eram da comunidade católica. “Mas chega uma hora que precisamos sair da zona de conforto”, ressalta. Continuou indo à igreja católica, mas passou a não fazer mais o sinal da cruz ou orar por Maria. Finalmente, após cerca de cinco anos com um pé em uma religião e o coração e a mente em outra, Rosana deixou o catolicismo para trás.

Quando se fala de Brasil, país dos contrastes, nada mais natural do que encontrar uma pessoa que tenha abandonado a religião católica ou absorvido ao longo dos tempos valores de outras religiões e culturas – o chamado sincretismo religioso. Mas os casos de Rosana, Tatiana e Maryanna foram diferentes: elas realmente aceitaram a nova religião como a única, mudando de vez a forma de enxergar o mundo. “No começo, quando passei a frequentar as reuniões, não queria muito contato, mas tinha gostado da parte 'racional'”, conta Rosana. “Mas você só é considerado Testemunha de Jeová quando sai na pregação – ou seja, quando passa a palavra”. Para isso, ela conversou com os membros mais velhos da comunidade para dizer que estava de acordo com os princípios cristãos. Depois, começou a pregar e, enfim, resolveu se batizar de acordo com o modelo apostólico após recapitular ao lado dos anciãos a parte bíblica, moral e cotidiana que exigia a religião.


Oficialmente convertidas


Da mesma forma, a conversão ao judaísmo requer conhecimento. “Qualquer pessoa que tenha uma motivação sincera pode se converter, mas o rabino deve ser convencido disso”, explica o rabino da Congregação Israelita Paulista Michael Schlesinger. “Primeiro eu bato um papo, vejo qual era a religião anterior, o vínculo com o judaísmo, o motivo de querer se converter, o quanto sabe a respeito; dou tarefas, como ler livros, fazer serviços religiosos”. Se depois desta etapa o rabino estiver convencido de que a pessoa realmente está pronta para a conversão, o interessado precisa participar de um curso de pelo menos um ano para aprender hebraico, o sentido das festas, a história do povo judeu, envolver-se profundamente na comunidade, incorporando na vida privada as práticas religiosas. Ao final do processo, provas, trabalhos e a avaliação de um tribunal rabínico – o Beit Din – irão determinar se o indivíduo está pronto para a conversão. Homens, nesta altura, já devem estar circuncidados. Uma vez aprovada a conversão, a pessoa entra na mikvé, a piscina de água da chuva que fica no solo da comunidade – para o processo de renascimento.

A conversão para o Islã é bem mais simples: “Uma pessoa se torna muçulmana dizendo 'testemunho que não há divindade além de Deus e Mohamad é o mensageiro de Deus'”, explica o sheikh Khaled Taky El Din, diretor de Assuntos Islâmicos da Federação das Associações Muçulmanas do Brasil, que pondera que a pessoa deve testemunhar com o coração e praticar o que se testemunha: a submissão divina, desejar ao semelhante o que desejar a si mesmo, trabalhar em prol da humanidade e querer, acima de tudo, a paz. “Qualquer pessoa que goze de boa saúde mental, que estiver entrando na puberdade, pode se converter”, explica ele. “Deus isenta a pessoa que não estiver sã, mentalmente, de converter-se”.



Mudanças no dia-a-dia
“O que mais mudou foi minha vestimenta: há algum tempo atrás eu vestiria uma miniblusa, certo decote, mas hoje tenho plena consciência de que toda pessoa disposta a praticar uma religião tem uma conduta a seguir e para nós, mulheres muçulmanas, a melhor conduta é a de Maria, mãe de Jesus, que nosso livro sagrado, Alcorão, é enaltecida como a melhor mulher da humanidade. O outras também foram muito enaltecidas, porém somente Maria tem um capítulo com o seu nome (Surata de Maria)”, comenta Maryanna. Embora tenha decidido usar o véu para ir à mesquita após a conversão, e depois no trabalho (ela é encarregada de reservas em um hotel e é formada em Turismo), suas amizades continuaram as mesmas. “Tenho grandes amigas católicas, afinal, amizades verdadeiras sempre se mantêm”. Mas hoje em dia ela prefere não ouvir música ou assistir a filmes contrários aos seus valores religiosos, como os que exploram principalmente a sexualidade da mulher.

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A conversão ao judaísmo também requer mudanças drásticas no comportamento. “A comida, por exemplo, é uma coisa que pode distanciar você dos antigos amigos, porque é uma mudança radical: temos que abrir mão de certas carnes, há muitos detalhes, e muitas vezes as pessoas não pensam nisso”, diz Tatiana. “Não rezamos para quem morre, mas para quem fica, então se a minha mãe morrer na sexta, devo estar ciente de que não poderei ir ao cemitério no sábado (Shabat)”. Rosana, por sua vez, explica que a família tenta se adaptar principalmente no que concerne às datas celebradas na escola de seus dois filhos: “A única data que realmente importa para nós é a morte de Jesus”. Ou seja: na casa de Testemunhas de Jeová, a mensagem do Papai Noel chega de uma forma diferente.



Uma pedra no caminho
A pessoa que se converte deve estar preparada para pelo menos dois pontos importantes: a recepção da nova comunidade e a percepção que a sociedade (incluindo família e antigos amigos) terá dela. Tatiana afirma que foi muito difícil se aproximar da comunidade judaica. “Era porta na cara, mesmo. Principalmente da linha mais ortodoxa, mas aos poucos fui conhecendo o lado mais acolhedor, freqüentando mais”. Ficou como “candidata” por cerca de três anos até fazer o curso. “Há uma expectativa maior de quem se converte, porque quando você se converte, é você que decidiu isso, você não nasceu judia, e a comunidade não incentiva a conversão, não está em busca de adeptos”, explica ela, que assume as dificuldades encontradas em sua própria casa. “Isso abalou muito os meus pais, porque eu estava negando algo que eles tinham me dado como cristãos, com tanto amor e carinho”. Após diversas “provações”, a consultora executiva que trabalha ao lado do marido (atualmente em processo de conversão) já é aceita pelos pais, além de estar muito bem integrada à comunidade. “Uma vez que aceitam você, eles são maravilhosos”.

“A parte mais difícil da conversão foi a preocupação em relação aos meus pais, principalmente minha mãe, que é católica”, admite Maryanna. “Mas, graças a deus, hoje ela já se acostumou um pouco mais; não sou a primeira nem serei a última brasileira a se tornar muçulmana”. Ela afirma que foi muito bem recebida na comunidade e que a maior barreira, no momento, é lidar com o preconceito da sociedade, em geral, e da mídia, em particular. “Associar atrocidades ao Islã se chama ignorância e discriminação, pois qualquer um que se der ao trabalho de estudar pelo menos o básico da religião saberá que atos como matar pessoas inocentes são totalmente contrários ao que dita o Alcorão”, ressalta ela. “Não se vê notícias como 'terrorista católico trocou tiros com a polícia no Rio de Janeiro e matou uma família inteira'... Jamais citam a suposta religião do bandido ou mesmo se não tem religião! Mas quando se trata de um muçulmano, a manchete acaba dizendo que a religião induz a este tipo de atrocidade”. Paradoxalmente, aponta a simpatia e a curiosidade do povo nas ruas como características positivas do brasileiro em relação à diversidade cultural.


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